'É DIFÍCIL PERDOAR QUEM TE ABANDONOU', DIZ VIÚVA DE SUICIDA
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Stephanie Madoff Mack e seu marido, Mark Madoff, morto em dezembro de 2010 |
Até dezembro de 2008, Stephanie Madoff Mack tinha uma vida que podia ser considerada invejável. Vivia em um confortável apartamento no Soho, bairro chique e descolado de Nova York, ao lado de seu marido, Mark Madoff, um executivo bem-sucedido do mercado financeiro. Casados desde 2004, tinham dois filhos pequenos, Audrey e Nicholas. Tudo mudou quando, naquele mês, seu sogro, o poderoso financista norte-americano Bernard Madoff, foi preso acusado de comandar um dos mais criminosos esquemas de fraude de que se tem notícia.
Investidor, ele aplicava o dinheiro de empresas e conhecidos em um esquema de pirâmide – pagava o lucro dos depósitos mais antigos com novas quantias que recebia, sem que as aplicações rendessem de fato. Com a crise mundial de 2008, quando seus clientes tentaram sacar o dinheiro e descobriram que nada havia, Bernard Madoff foi para a cadeia e hoje cumpre pena de 150 anos por seus crimes financeiros. Estima-se que o prejuízo tenha sido de U$S 65 bilhões.
A partir daí, a vida de toda a família Madoff virou um turbilhão de acusações e pressões. Tanto Mark quanto o irmão, Andrew, e mais a mãe deles, Ruth, passaram a ser hostilizados e apontados como cúmplice dos crimes – informação que nunca se confirmou. Dona de um estilo de vida regado a joias e viagens, entre outros luxos, Ruth era uma das mulheres mais influentes da sociedade nova-iorquina. Após a prisão de seu marido, passou a ser desprezada por amigos e conhecidos e viu sua família desmoronar. Indignados com o que o pai havia feito, os filhos romperam com ele e pediram à mãe que escolhesse de que lado ficaria. Como passou a vida defendendo o parceiro, Ruth acabou perdendo também o contato com os filhos.
Ainda que nada tenha sido criminalmente provado contra eles, o estrago emocional estava feito. Dois anos após a prisão do pai, Mark, o filho mais velho, suicidou-se. Tinha apenas 46 anos. Embora tenha deixado poucas pistas do que o levou a tomar tal atitude, seu advogado e representante divulgou na época um comunicado dizendo que “Mark foi uma vítima inocente do crime monstruoso de seu pai e sucumbiu após dois anos de pressões constantes e falsas acusações”.
Para lidar com a dor, Stephanie, a viúva, primeiro recolheu-se e depois escreveu um livro, “The End of Normal”, lançado em outubro deste ano nos Estados Unidos, no qual relembra a história de vida do marido, do casal, filhos, e como tudo mudou. No último dia 11 de dezembro, a morte de Mark completou um ano. Para lembrar a data, Stephanie escreveu um longo depoimento em seu blog, em que diz ainda não entender o porquê do suicídio e lamenta os momentos preciosos que Mark está perdendo com seus filhos. Leia na íntegra:
“No ano passado, quase dois meses antes de meu marido Mark Madoff cometer suicídio, jantamos fora para comemorar nosso sexto aniversário de casamento. Lembro-me da conversa. Naquela noite, falamos principalmente sobre o nosso futuro. Nós pesamos os prós e os contras de mudarmos de Nova York para criar nossos dois filhos no subúrbio e ainda falamos sobre a possibilidade de ter uma terceira criança.
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Mark Madoff e sua filha Audrey, hoje com cinco anos |
Com um sorriso no rosto e entusiasmo em sua voz, Mark me contou sobre o novo negócio em que ele e um amigo estavam trabalhando. O que me lembro sobre o jantar é que nós éramos como qualquer outro casal normal, apaixonados, comemorando seu aniversário de casamento. Naquela noite, não éramos o filho e a nora de Bernard Madoff, o homem que transformou a nossa vida de cabeça para baixo, causando uma avalanche de acusações falsas e profundamente dolorosas, principalmente para Mark.
Às 20h, saímos rindo e satisfeitos do restaurante. Mais cedo, Mark tinha me dado um cartão de aniversário. Ele sempre escreveu palavras doces. Nesse, dizia: “Querida Stephanie, mais um ano. Outra grande ano. Estou tão feliz por acordar ao seu lado. Estou tão feliz por ser o seu sorriso a última coisa que vejo antes de fechar os olhos, à noite. Temos tanta coisa para olhar para frente. Eu te amo. Mark”
Mas alguns impulsos obscuros tomaram conta do coração e da mente do meu marido e, no dia 11 de dezembro de 2010, às 04h da manhã, ele desisitiu de viver. Sua agitação interna é algo com o qual ainda luto diariamente. Eu releio o seu último e-mail para mim, em que ele dizia “eu te amo”, e seu último e-mail para seu advogado, com o pedido “por favor, cuide de minha família”, e nada faz sentido. Nenhum sentido.
Tento ligar a frase do cartão “temos tanta coisa para olhar para frente” a seu e-mail ao advogado e não consigo entender como Mark deixou sua família com apenas algumas palavras. É difícil perdoar alguém que te abandonou e tentar seguir em frente sem olhar para trás e pensar em como poderia ter sido. Nossos dois filhos, Audrey e Nicholas, me ajudam com isso.
Audrey acaba de completar cinco anos e vestiu-se como “Rapunzel” para sua festa de aniversário. Mark teria adorado sentar-se a seu lado e comer pizza e bolo de aniversário. Nossa filha estava muito feliz naquele dia, mas depois que todos os seus amigos foram embora ela me disse: ‘Papai deveria ter estado aqui para me ver como Rapunzel’. E ela não poderia estar mais certa. Mark deveria estar aqui. Ele deveria estar aqui para ver o quão grande está Nicholas e o quanto ele tem falado agora. Eles são parecidos e até a maneira com a qual Nick arruma as mangas de suas blusas é como Mark fazia. Isso me faz rir e eu imediatamente penso: ‘Mark deveria estar aqui’.
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A família Madoff Mack: Stephanie, Nicholas, Mark e Audrey |
Apesar de os nossos dois filhos estarem bem, gostando da escola e curtindo a vida, eles não passam um dia sem me dizer que sentem falta do papai. Tenho a sensação de que eles não ficam tristes só por si, mas também por Mark. Eles estão tristes porque Mark está perdendo coisas boas e momentos especiais em suas vidas. Eu também estou.
Em 11 de dezembro de 2010, em um e-mail final para seu terapeuta, Mark escreveu: ‘por favor, certifique-se de minha história será contada.’ Escrever “The End of Normal” foi uma maneira de defender o meu marido, e uma surpreendente catarse para mim. Recebi cartas de pessoas de todo o país me agradecendo por compartilhar nossa história. Muitas dessas pessoas também me contam suas experiências de perda por suicídio, divórcio ou doença. Isso me ajudou mais do que posso dizer. Entendi que nunca vou saber o que fez Mark tirar sua vida, mas que a minha tem de continuar.
Minha dor, no entanto, não irá se resolver. Ainda falo sobre estes sentimentos nas minhas sessões de terapia, mas o apoio de amigos e estranhos, a experiência compartilhada e saber que não estou sozinha é algo inestimável. O instrutor das minhas aulas de ginástica, sempre muito alegre e grande incentivador, me disse recentemente: “Sem perdão você não pode se mover”.
Nunca vou entender o que fez com que Mark Madoff deixasse sua mulher e seus filhos sozinhos para encarar o futuro, mas decidi perdoá-lo. E agora que abracei com sinceridade o perdão, comecei a sentir que, sim, há muito para olhar para frente.”
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